O hábito de deslizar o dedo pela tela em busca de novas atualizações, notícias e feeds intermináveis tem ganhado um nome específico: “doomscrolling”. Em tradução livre, o termo traz à tona a ideia de “rolagem do desespero”, caracterizando o ato de navegar sem cessar por conteúdos negativos, muitas vezes sensacionalistas, que alimentam preocupações e ansiedades. Essa prática, potencializada pelo excesso de informação ao qual somos submetidos a cada segundo, cria um ciclo difícil de interromper, contribuindo significativamente para o estresse, a insônia e até mesmo quadros de depressão.
O advento das redes sociais e o crescimento exponencial dos canais de comunicação digital trouxeram inúmeros benefícios, como o acesso mais democrático ao conhecimento e a possibilidade de conexão global. No entanto, essa facilidade também expõe as pessoas a uma avalanche de informações que nem sempre são úteis ou saudáveis, especialmente quando se trata de acontecimentos negativos — crimes, desastres naturais, disputas políticas, tensões mundiais e crises econômicas. Segundo pesquisadores em comportamento digital, o efeito psicológico desse fluxo contínuo de más notícias impacta a saúde mental de forma profunda, tornando-se um “gatilho” para a ansiedade e o sentimento de impotência diante dos problemas do mundo.
Nesse cenário, o neuropsicanalista Renato Lisboa, que há mais de dez anos estuda o comportamento humano em ambientes digitais, ressalta a complexidade do tema. “O doomscrolling não é apenas fruto de curiosidade. Ele também está ligado a mecanismos inconscientes que buscam, paradoxalmente, prever ameaças e se preparar para elas. O cérebro humano, por milhares de anos, desenvolveu respostas rápidas a situações de risco. Hoje, porém, enfrentamos uma sobrecarga de estímulos que faz com que o estado de alerta seja mantido de modo permanente”, explica Lisboa.
Segundo o especialista, o problema se agrava pelo fato de a sociedade contemporânea não ter desenvolvido todas as ferramentas necessárias para lidar com a quantidade massiva de conteúdo circulando na internet. Soma-se a isso a influência dos algoritmos, que tendem a priorizar o engajamento emocional do usuário, muitas vezes colocando em evidência as notícias mais alarmantes ou polêmicas. “Quando passamos tempo demais sob bombardeio de informações que suscitam medo ou revolta, nosso sistema nervoso se mantém hiperativado. Sem perceber, alimentamos uma espiral de ansiedade que prejudica o sono, as relações interpessoais e a qualidade de vida como um todo”, acrescenta Renato Lisboa.
Para mitigar esse problema, o neuropsicanalista indica algumas estratégias que podem ser incorporadas ao dia a dia. Uma delas é a adoção de períodos livres de eletrônicos, conhecidos como “detox digital”. Durante essas pausas, o indivíduo se desconecta de redes sociais, portais de notícias e até mesmo de aplicativos de mensagens instantâneas, redirecionando a atenção para atividades que estimulem a redução do estresse, como leitura de livros físicos, prática de esportes ou mesmo momentos de contemplação. Lisboa enfatiza que o ideal não é banir a tecnologia, e sim estabelecer limites inteligentes que protejam a saúde mental.
Outra recomendação inclui o conceito de “curadoria pessoal de conteúdo”. Em vez de consumir todo e qualquer tipo de informação que aparece no feed, deve-se escolher cuidadosamente quais fontes de notícias são confiáveis e benéficas ao equilíbrio emocional. “Existem estudos que mostram o poder do pensamento catastrófico: quanto mais você lê sobre tragédias, maior se torna a sensação de que essas tragédias estão prestes a bater à sua porta. Por isso, a sugestão é se manter bem-informado, mas não refém de manchetes alarmistas. Você pode, por exemplo, definir um horário específico do dia para checar as principais notícias e, após esse período, se dedicar a outras atividades que tragam bem-estar”, diz Lisboa.
O especialista também aborda a importância de buscar apoio profissional quando necessário. Psicólogos e psicanalistas têm notado um aumento considerável de pacientes que relatam angústia gerada pelo excesso de informação negativa. Em alguns casos, a terapia pode auxiliar a identificar padrões nocivos de pensamento e elaborar novas formas de lidar com o estresse. Ademais, técnicas como meditação, mindfulness e exercícios de respiração profunda podem contribuir para o alívio de sintomas imediatos de ansiedade.
De acordo com Renato Lisboa, é fundamental que a sociedade reconheça o “doomscrolling” como um problema real, que tem impactos não apenas individuais, mas coletivos. “Se passamos grande parte do nosso tempo imersos em uma narrativa de catástrofe, isso pode ter reflexos na maneira como nos relacionamos e até mesmo na maneira como nos envolvemos em debates públicos. Surge uma tendência à polarização extrema e ao pessimismo, que impede a criação de soluções práticas e construtivas”, adverte.
A proposta, portanto, não é fugir do que acontece no mundo, mas sim aprender a desenvolver um “filtro crítico” sólido. Trazer a consciência para cada gesto no celular, questionar se vale a pena ou não clicar em determinado link ou assistir a mais um vídeo negativo. A implementação de limites simples, como silenciar notificações em determinados horários ou colocar o celular longe do quarto à noite, pode ter efeitos surpreendentes na qualidade de vida de quem se vê refém do excesso de informação.
Por fim, o neuropsicanalista ressalta que a mudança não acontece da noite para o dia, mas sim por meio de uma combinação de autoconhecimento, disciplina e, muitas vezes, ajuda especializada. “A informação faz parte da nossa vida e nos torna cidadãos mais conscientes. O problema está em como e quanto a consumimos. Se não nos atentarmos, podemos cair em um ciclo vicioso que coloca nossa saúde mental em risco. O primeiro passo é perceber que estamos vivendo esse padrão e, a partir daí, iniciar um processo gradativo de mudança”, conclui Lisboa.
Esse chamado à responsabilidade digital também reflete a necessidade de políticas públicas e iniciativas educacionais que promovam a conscientização sobre os riscos do “doomscrolling”. Aos poucos, conforme mais estudos são divulgados e o tema ganha atenção da mídia e de profissionais da saúde, surgem caminhos para que cada indivíduo possa equilibrar a busca por informação com o zelo por seu próprio bem-estar. Afinal, em um mundo hiperconectado, saber quando desconectar-se se torna uma ferramenta fundamental para a preservação da saúde mental e emocional — e, por extensão, para a construção de uma sociedade mais equilibrada e empática.
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RENATO DOS SANTOS LISBOA
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