A série Adolescência, produzida pela Netflix, é mais do que uma ficção britânica sobre um crime juvenil. É um espelho social que escancara, com sensibilidade e crueza, as consequências de uma geração moldada pela hiperexposição às telas, pela ausência de diálogo com os pais e por uma desestruturação emocional crescente, silenciosa e alarmante.
Ao acompanharmos Jamie Miller, adolescente de 13 anos acusado do assassinato de uma colega, somos levados a refletir não apenas sobre a complexidade do comportamento juvenil, mas sobre o papel da tecnologia como agente modelador de pensamentos, atitudes e identidades frágeis. E é justamente aqui que a neurociência lança luz sobre aquilo que o entretenimento apenas sugere.
O neurocientista Philip Zelazo destaca que as funções executivas, as quais englobam o controle inibitório, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva, são refinadas na adolescência e dependem diretamente da qualidade das interações humanas. Quando essas interações são substituídas por consumo passivo de conteúdo digital, o cérebro pode não formar as conexões necessárias para autorregulação emocional, tomada de decisões éticas e pensamento crítico.
Jean Twenge, em sua obra iGen, reforça esse alerta ao demonstrar que adolescentes mais conectados são também os mais vulneráveis à depressão, ansiedade, distúrbios do sono e ideação suicida. Esse fenômeno coincide com a popularização dos smartphones a partir de 2012, período em que muitos dos jovens de hoje ainda estavam com o córtex pré-frontal em amadurecimento inicial, justamente a região responsável pelo julgamento moral e controle emocional.
Jonathan Haidt, psicólogo social que pesquisa moralidade e cultura, ressalta que o excesso de tempo nas redes sociais compromete não apenas a saúde emocional, mas também a psicológica desses adolescentes. O chamado “atrito humano”, a experiência da empatia, do desacordo e da reparação nos vínculos reais vem sendo substituído por ambientes digitais polarizados que aceleram julgamentos e anestesiam a consciência moral.
A psiquiatra Shimi Kang, por sua vez, alerta que habilidades como criatividade, resiliência e autonomia emocional não florescem em meio ao bombardeio digital, mas sim em ambientes ricos em conexões afetivas físicas, contato com a natureza, desafios reais e liberdade estruturada. Um adolescente imerso em estímulos artificiais e sem a presença ativa de adultos está, literalmente, privado do essencial para florescer.
A série Adolescência nos mostra, por meio da dramaturgia, aquilo que a ciência já evidencia: estamos diante de uma geração em crise. Mas também estamos diante de uma oportunidade histórica de transformação.
É urgente que pais e responsáveis se informem não apenas sobre o conteúdo acessado pelos filhos, mas sobre como a tecnologia impacta o cérebro em desenvolvimento. E esse conhecimento precisa ser democratizado.
As escolas podem ter um papel central nesse movimento. Por meio de oficinas, palestras e rodas de conversa com as famílias, elas podem se tornar verdadeiros agentes de conscientização. Não se trata de demonizar a tecnologia, mas de construir uma cultura digital mais humana, crítica e empática.
A adolescência é um território sensível, moldável e determinante. Se queremos evitar tragédias, silenciosas ou escancaradas como as retratadas na série, precisamos agir agora. Precisamos devolver às crianças e jovens o direito de crescer longe do excesso, perto do vínculo, com escuta, presença e sentido.
*Sheron Mendes é Bióloga, especialista em Neurociência do Comportamento e professora dos cursos de pós-graduação em Educação no Centro Universitário Internacional Uninter
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JULIA CRISTINA ALVES ESTEVAM
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